Nenhuma atitude na Fórmula 1 e no automobilismo internacional se encerra em si mesma. Punições, mudanças, posturas… Tudo tem um forte lado político envolvido. Intrigas de parte a parte. E é fácil de entender: é um esporte que movimenta cifras milionárias, ainda mais na maior categoria do automobilismo mundial. Por isso que, desde dezembro do ano passado, tenho batido na mesma tecla em meus textos aqui no blog Voando Baixo: não dá para analisar as decisões da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) apenas com os olhos esportivos. Tem uma briga de poder muito maior por trás disso. De um lado os americanos da Liberty Media, donos da F1 desde 2017 e que fizeram a categoria crescer principalmente no cobiçado mercado americano. De outro, Mohammed Ben Sulayem, presidente da FIA e apoiado pelo ex-dirigente Bernie Ecclestone. Rota de colisão.
Muito se falou sobre a mecânica do incidente dos carros da Red Bull tocando a linha de saída dos boxes durante o GP de Mônaco. Falou-se também sobre a mudança do entendimento da regra sobre o tema, que deixou de punir quem tocasse a linha para punir apenas quando “um pneu cruzasse toda a linha”. O que eu vi pouquíssima gente falar é a causa dessa polêmica: a falta de transparência que marca a gestão de Mohammed Ben Sulayem na FIA desde seu início, em novembro. Regras nunca cobradas – como a proibição das joias – ganhando tolerância zero por motivos obscuros. E outras que sempre foram objetivas – como a proibição de tocar a linha de saída dos boxes – passando à subjetividade: os comissários esportivos ganharam o poder de decidir “quando um pneu inteiro cruza a linha”. Enquanto outros esportes estão em busca de que suas decisões fiquem mais claras para o público, a FIA dá enormes passos atrás diminuindo a transparência das avaliações e punições.
E qual o interesse da FIA de tornar uma regra objetiva em subjetiva sem alarde? Ainda mais uma que já tinha virado automática na cabeça dos fãs, pilotos, equipes e de quem cobre o esporte? O aumento da subjetividade nas decisões dos comissários da Fórmula 1 tem de ser combatido por todo mundo. É um movimento prejudicial para o esporte e aumenta a sensação de injustiça e, até mesmo, acusações de possíveis manipulações. Para o fã, é simples: você pode estar comemorando hoje. Afinal, seu piloto favorito foi favorecido por uma decisão dúbia ou uma interpretação enviesada das regras. Mas amanhã a situação pode se inverter. E o injustiçado poderá ser o seu favorito. E aí não vai adiantar reclamar. Sobre o incidente do último domingo, diante da nova regra de “cruzar a linha com um pneu inteiro”, não existe uma imagem sequer que dê 100% de certeza que Sergio Pérez e Max Verstappen cometeram a infração. Logo, é entendível que o resultado de pista seja mantido. Mas o que sigo sem entender é o porquê da mudança da regra. Parece claro também que, a partir de agora, os pilotos irão usar a linha dos boxes até o seu limite. E como é uma regra que discorre sobre um item de segurança, poderemos ter acidentes em breve por isso. Mais um efeito colateral.
A polêmica da linha foi a cereja do bolo em um tumultuado fim de semana em Mônaco. No sábado, no Q1, Yuki Tsunoda tocou o guard rail na Chicane do Porto e um apressado fiscal de pista mostrou a bandeira vermelha por engano, forçando a interrupção do treino. Erro crasso e primário. Mas nada se comparou ao domingo e uma direção de provas, comandada pelo português Eduardo Freitas, assustada com a chuva que caiu minutos antes da largada. A corrida poderia ter sido iniciada antes da chuva forte e evitado um atraso de quase uma hora. Para piorar, após as duas bandeiras vermelhas, foram realizadas largadas lançadas, em vez das paradas no grid, permitidas pelo regulamento. A justificativa? Falta de energia na reta dos boxes. Uma desculpa esfarrapadíssima. Um GP de F1 sem um gerador sequer para garantir a corrida? Ora, façam-me o favor.
E como era previsto, toda essa postura da FIA de um Ben Sulayem patrocinado por Ecclestone começou a desagradar a Liberty Media e as equipes. Em um momento que a categoria está recuperando notoriedade mundial e penetrando em um mercado outrora fechado, o americano, essas idiossincrasias da FIA podem colocar todo o esforço a perder. Outro problema: a categoria e os times tinham um acordo fechado para estender o número de corridas sprint de três para seis a partir de 2023. Ben Sulayem vetou, para revolta da Fórmula 1. A própria tolerância zero com o uso de joias pelos pilotos é vista pela categoria como uma retaliação à ausência de Lewis Hamilton no FIA Gala em dezembro de 2021, a festa de premiação da entidade. E, por último, a entidade ignorou o pedido das equipes para colocar uma barreira TecPro para aumentar a segurança da curva 14 em Miami após os fortes acidentes de Carlos Sainz e Esteban Ocon no local. A briga política está em andamento, amigos.