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‘Chego com experiência, mas querem juventude’:

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A foto informal de um homem de 58 anos, concentrado no notebook, na mesa da sala de casa, acompanhado por uma cadelinha, chamou atenção na rede social onde geralmente aparecem os engravatados. Foram mais de 110 mil reações em menos de uma semana.

A autora da postagem chamava atenção para o fato de o pai dela estar, às 22h, dedicado a um processo seletivo — o primeiro que ele conseguiu ingressar nos últimos dois anos e meio, ela escreveu.

“Não sei se ele vai conseguir passar, estou torcendo muito! Afinal, ele tem 58 anos e sabemos como o mercado é competitivo e tem baixas oportunidades para essa faixa etária, mas a vaga do meu coração ele já preencheu!”, escreveu Flávia Gobato no LinkedIn.
O pai fotografado é Alberto Gobato Filho, de 58 anos. Ele passou 35 anos trabalhando em uma empresa têxtil, onde entrou como auxiliar de almoxarifado, aos 18 anos, e saiu como gerente de compras. Ele chegou a trabalhar por períodos mais curtos em outras duas empresas, mas agora procura recolocação no mercado.

O sucesso da postagem reflete uma busca que hoje é comum para mais famílias. Do fim de 2019 até o fim de 2020, mais 400 mil brasileiros com idades a partir de 50 anos passaram a ser desempregados, segundo dados oficiais.

Se for considerado o aumento da taxa desde 2012, quando tem início a série histórica, a alta do desemprego foi proporcionalmente maior para o grupo de 50 anos ou mais, segundo levantamento do IDados feito a pedido da BBC News Brasil com base na Pnad Contínua (veja mais dados abaixo). Em 2020, ano que surgiu a pandemia de coronavírus, a taxa de desemprego para esta faixa etária superou 7% pela primeira vez.

E o que é mais difícil quando se procura emprego aos 58? “É a idade. A tecnologia, isso está aberto para todo mundo, é questão de aprender e se adaptar”, respondeu Gobato, em conversa por telefone com a BBC News Brasil.

Morador de São Carlos, no interior de São Paulo, ele se aposentou no fim de 2015, mas conta que houve uma queda na renda. Quase metade da aposentadoria, ele diz, vai só para o plano de saúde dele e da esposa.

“Busco um complemento de renda. Poderia ser útil em algum lugar, quem sabe mesclando minha experiência com a de profissionais mais jovens, com o ímpeto da juventude, e a gente estaria ali para balancear.”
Na mesma casa, ele vê dois extremos: o filho sentindo a dificuldade de ser um jovem recém formado na busca por uma colocação no mercado e ele, aposentado, procurando uma recolocação.

“Se ele vai buscar uma colocação no mercado, falta-lhe a experiência. No meu caso, eu chego com a experiência, e falta-me a juventude.”
Gobato conta que sente que a idade é uma barreira na visão dos empregadores, que podem contratar mais jovens por salários mais baixos e que, na avaliação dele, muitas vezes não se sentem confortáveis em contratar alguém com mais tempo de experiência. Por outro lado, ele diz que não pensa em um prazo para deixar o mercado de trabalho.

“Não faço plano de parar, não. Tenho dois filhos, já formados, mas a gente gosta de se sentir útil. A gente mantendo o tempo ocupado, a cabeça trabalhando… até quando eu tiver saúde e se não tiver atrapalhando, eu gostaria de estar trabalhando”, diz. “A gente não quer ostentar luxo. Quero ter uma vida normal, uma vida tranquila.”

Com o sucesso inesperado da postagem na rede social, os dias seguintes ao compartilhamento foram cheios de mensagens de apoio à empreitada de Gobato. Ele conta que recebeu até a ligação de uma pessoa de 72 anos, que vive em Portugal, e quis dividir a própria experiência com ele. “Conversamos mais de uma hora. Nunca vi a pessoa na vida”, conta.

“Fiquei surpreso com a repercussão. As pessoas se solidarizaram ou se espelharam, muitas delas, na busca pela recolocação no mercado, que muitas estão sentindo na pele.”

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