O presidente Jair Bolsonaro, em conversa com apoiadores , atribuiu a redução no número de assassinatos no Brasil à sua política de facilitar o armamento da população. Especialistas na área de segurança pública explicam que, na verdade, são outras as causas para a queda nas mortes violentas. E alertam que o maior número de armas em circulação, longe de aumentar a segurança, representa um risco para a sociedade.
O número comentado por Bolsonaro foi divulgado dentro do projeto Monitor da Violência, uma parceria do site com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os dados mostraram que o número de assassinatos caiu 7% em 2021 na comparação com 2020. Em todo o ano passado, foram registradas 41,1 mil mortes violentas intencionais no país. É o menor número de toda a série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que coleta os dados desde 2007.
“Vocês viram que o número de homicídios por arma de fogo caiu ao menor número histórico, né? A imprensa não fala que, entre outras coisas, a liberação das armas para o pessoal de bem, o cara pensa duas vezes antes de fazer uma besteira. Agora, se tivesse aumentado, quem era o culpado? [risos]. Não precisa dizer”, disse Bolsonaro no cercadinho do Palácio da Alvorada.
A diminuição dos assassinatos em 2021 retoma a tendência de queda registrada no país pelo Monitor da Violência desde o balanço de 2018, antes do governo Bolsonaro começar. Essa tendência de queda foi interrompida em 2020, ano que registrou alta de mais de 5% nos assassinato, em plena pandemia. A queda voltou a ser registrada em 2021.
Especialistas criticam liberação de armas
A queda dos assassinatos no Brasil não está relacionada à liberação das armas e começou antes do governo Bolsonaro, ressaltam especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP).
A redução das mortes violentas começou em 2018, no fim do governo Temer, após um recorde de assassinatos em 2017 provocado por uma guerra entre facções em diversos estados brasileiros, explica Bruno Paes Manso, do NEV-USP.
Tanto o aumento quanto a diminuição são fortemente influenciadas pelas dinâmicas do crime organizado, responsável pela maior parte das mortes violentas, explica.
“Essa tendência de queda pode ocorrer a despeito do aumento da venda de armas e munições no mercado. As armas e munições legais e ilegais – que são desviadas e ingressam no mercado do crime – não causam, isoladamente, variações nas taxas”, afirma. “Elas tendem a aumentar os homicídios circunstanciais, em bares, boates e no trânsito, por exemplo, e os feminicídios. Mas não afetam necessariamente as dinâmicas criminais nos estados.”
Samira Bueno, diretora do FBSP, ressalta que a redução das armas em circulação já ajudou a desacelerar a violência no Brasil em um passado recente.
“Diferentes estudos científicos demonstram o papel do controle de armas na desaceleração da violência no Brasil. No Atlas da Violência de 2020 demonstramos que, no período anterior ao Estatuto do Desarmamento (2003), o ritmo de crescimento dos homicídios no Brasil era 6,5 vezes superior ao observado a partir de 2004. Estima-se que, entre 2004 e 2014, a política de controle de armas tenha sido capaz de poupar 135 mil vidas, um legado importante para a compreensão do cenário aqui analisado, e que está em risco em função das medidas recentes de flexibilização do controle de armas por parte do governo federal”, diz ela.
“Com a facilitação para aquisição de armas e munições, facilita-se o desvio de armas legais para as mãos de criminosos, prejudica-se a capacidade investigativa das forças policiais e aumenta-se o risco de conflitos, muitas vezes banais, tornarem-se tragédias, como brigas de trânsito.”