O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou no mês passado que estrangeiros seriam proibidos de comprar imóveis no país por pelo menos dois anos. A medida é uma tentativa de barrar o aumento dos preços, que se tornaram proibitivos para muitas famílias canadenses.
O problema não é exclusivo do país, mas uma tendência global – inclusive no Brasil. E é, de certa forma, um efeito colateral da pandemia de covid-19, que acabou misturando pelo menos três ingredientes que favoreceram a demanda no mercado imobiliário.
A queda nos juros usada para amortecer o impacto da crise sanitária sobre a economia barateou os financiamentos. Os lockdowns e as restrições de deslocamento favoreceram o acúmulo de poupança pelas classes mais altas, que não puderam viajar ou frequentar bares e restaurantes. O trabalho remoto, por sua vez, despertou em muita gente a vontade de cuidar da casa, de morar em um espaço maior, mais confortável, e até longe do caos das grandes cidades.
Nos Estados Unidos, o salto nos valores dos imóveis vendidos nesses últimos dois anos gerou temor de que uma nova bolha imobiliária pudesse estar se formando – trazendo a lembrança amarga da crise financeira de 2008.
O tema foi, inclusive, objeto de um estudo divulgado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de Dallas, que alertou para os riscos nesse sentido.
Portugal também vê com temor a alta dos preços. O valor dos imóveis no país vinha crescendo pelo menos desde 2014, especialmente depois da entrada em vigor da política de “golden visa”, que abriu a possibilidade para que estrangeiros que compram uma propriedade no país possam pedir nacionalidade portuguesa.
A dinâmica da pandemia aprofundou a escalada de preços e tem dificultado o acesso à casa própria para muitas famílias portuguesas.
Maior alta em 18 anos
O último trimestre de 2021 marcou o maior aumento em 18 anos nos preços de imóveis acompanhados em 150 cidades pela consultoria Knight Frank, especializada no ramo imobiliário e com mais de 500 escritórios pelo mundo.
De acordo com o último relatório do índice Global Residential Cities, com periodicidade trimestral, o valor médio dos imóveis vendidos nos locais pesquisados cresceu 11% em relação ao mesmo período do ano anterior, o maior percentual desde o quarto trimestre de 2004.
Entre as 150 cidades que compõem a amostra, 140 registraram alta nos preços, contra 122 no ano de 2020.
Istambul, na Turquia, está no topo da lista, com aumento expressivo de 63% no valor dos imóveis. As três primeiras posições, aliás, são ocupadas por cidades turcas – Izmir vem em segundo (58,5%) e Ancara, em terceiro (55,9%).
O país, contudo, é um caso à parte. A Turquia está mergulhada em uma crise econômica marcada pela maior alta da inflação em duas décadas. Em 2021, o índice oficial de preços subiu 36,1%, e segue acelerando. Em abril deste ano, a alta acumulada em 12 meses chegou perto de 70%.
Nos Estados Unidos, a cidade com maior salto nos preços foi Phoenix (32,5%), que ocupa o 5º lugar do ranking, seguida por Miami (27,4%, 8ª posição), Dallas (26%, 9ª posição) e San Diego (25,4%, 10ª posição).
São Paulo e Rio de Janeiro, as cidades brasileiras que compõem o índice, estão na parte final da lista, na 121ª e 129ª posições, respectivamente, com altas de 4,4% e 2,2% nos preços.
‘Efeito bumerangue’ da pandemia
Parte do aumento dos preços observado no fim do ano passado também se deve a uma espécie de renascimento das cidades observado após quase dois anos de pandemia, acrescenta a chefe de pesquisa residencial internacional da Knight Frank, Kate Everett-Allen, em entrevista à BBC News Brasil.
Após os primeiros lockdowns, nos países mais ricos muitas pessoas chegaram a deixar os grandes centros urbanos e, com a mobilidade proporcionada pelo home office, se mudaram para cidades menores ou mesmo para áreas rurais.
Chegou-se a questionar na época qual seria o futuro das cidades – se elas veriam, por exemplo, um êxodo significativo de seus habitantes.
“Mas, desde a primavera de 2021, cerca de um ano atrás, começamos a ver muita gente voltando para as cidades em busca da conectividade, da oferta de cultura, dos teatros, dos restaurantes”, comenta Everett-Allen, referindo-se especialmente às nações ricas fora da Ásia. No continente asiático, em locais como China, Hong Kong e Cingapura, a maioria das pessoas se manteve nas grandes cidades.
“Aqui em Londres, há pessoas que compraram um segundo imóvel no interior, por exemplo, e hoje, com o trabalho híbrido, passaram a usá-lo no home office uma parte da semana, enquanto passam os demais dias por aqui”, ela ilustra.
A retomada do turismo – e dos intercâmbios de estudantes – também contribuiu para empurrar os preços para cima em algumas regiões, entre elas Austrália e Nova Zelândia.
No Brasil, classe média e mais pobres serão mais prejudicados
No Brasil, o mercado imobiliário viveu um boom nos anos 2020 e 2021, alimentado, em parte, pela mesma dinâmica da pandemia que favoreceu o mercado imobiliário em um contexto global.
A taxa básica de juros, hoje em 12,75%, chegou à mínima histórica de 2% em março do ano passado.
“A Selic em patamar mínimo teve um efeito duplo sobre o mercado imobiliário”, pontua Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
“De um lado, os juros baixos fizeram com que os investidores passassem a buscar uma rentabilidade maior para suas reservas financeiras [o que favoreceu o investimento em imóveis]. De outro, o crédito continuou se expandindo, só que agora com taxas historicamente reduzidas.”
“Houve um deslocamento importante de recursos para o mercado imobiliário tanto das famílias quanto de investidores”, completa.
Os preços de imóveis no Brasil registraram em 2021 a maior alta desde 2014.
Segundo a pesquisadora, não há, contudo, dados públicos disponíveis que possam sinalizar quanto do aumento foi gerado por uma demanda das famílias e quanto pelo movimento dos investidores que resolveram comprar imóveis em busca de maior rentabilidade.
Conforme o Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R/Abecip), no ano passado os preços de imóveis no país tiveram salto de 16,25% em relação ao ano anterior, percentual superior inclusive à inflação do período, de 10,06%. A cidade com maior elevação de preços foi São Paulo, com expressivos 21,09%.
Feito em parceria com o Ibre-FGV, o índice cobre dez capitais e leva em consideração não os preços de anúncios, que por vezes não se concretizam, mas os valores finais negociados dos imóveis.
O cenário para 2022 é outro. Com o aumento da inflação no Brasil e no mundo, as construtoras estão enfrentando um aumento significativo nos custos de insumos. De um lado, o custo para construir cresceu, enquanto, de outro, o espaço para repassar a alta para os preços diminuiu, com a perda de poder de compra dos consumidores e o contexto de desemprego alto.
O impacto dessa combinação sobre os preços ainda é difícil de prever, mas deve reduzir o apetite das famílias por novos lançamentos.
“O crédito mais caro vai tirar do mercado um percentual grande de famílias”, avalia a economista do Ibre-FGV.
Segundo Castelo, o impacto negativo deve recair especialmente sobre os mais pobres – que antes eram contemplados pela faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida e acabaram ficando fora do Casa Verde Amarela, o programa habitacional do governo Bolsonaro – e da classe média.
As famílias contempladas pela faixa 1 do MCMV não pagavam juros do financiamento dos imóveis e podiam pleitear subsídios que cobriam um percentual relevante do preço da casa. No Casa Verde Amarela, a primeira faixa prevê taxas de juros que começam em 4,25%.