A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação do projeto que estabelece um marco temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil.
O adiamento ocorreu após a leitura do parecer favorável ao projeto, apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e atendeu a um pedido de vista (mais tempo para análise) coletivo de senadores da base aliada ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Governistas ainda tentaram postergar a análise com uma tentativa de convocar audiência pública para debater o tema, mas a base acabou derrotada por 15 votos a 8. Com isso, a votação do projeto ocorrerá na próxima quarta (27).
Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará nesta tarde o julgamento sobre a validade da tese (veja mais abaixo).
O marco temporal prevê que os povos indígenas só terão direito à demarcação de terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Na prática, áreas sem a ocupação de indígenas ou com a ocupação de outros grupos neste período não poderiam ser demarcadas.
O texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, com o apoio público do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL).
Segundo o projeto, somente estará fora do marco a área na qual for “devidamente comprovado” o chamado renitente esbulho – um conflito pela posse da terra, que pode ter sido iniciado até 5 de outubro de 1988.
“A cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada”, diz o texto.
Além de criar o marco temporal, o projeto também flexibiliza o uso exclusivo das terras pelos povos indígenas e permite à União retomar áreas reservadas em caso de alterações de traços culturais da comunidade
O relator do projeto na CCJ, senador Marcos Rogério (PL-RO), defendeu a definição da data como “constitucionalmente compatível”. Rogério também afirmou que o marco temporal reafirma “entendimento do STF” no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
“Esse elemento é relevante para excluir qualquer alegação de que o chamado marco temporal seria inconstitucional, ou estaria em desacordo com o art. 231 da Constituição Federal, já que a própria Corte Suprema encampou tal interpretação (ainda que possa, eventualmente, alterar sua jurisprudência)”, escreveu.
Antes de iniciar a leitura de seu parecer, Marcos Rogério afirmou ter recebido propostas de entidades que defendem indígenas e do Ministério dos Povos Indígenas. O senador disse que fará “todo o esforço” para “construir um entendimento”.
A proposta
De acordo com o projeto, são consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que, na data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988), eram simultaneamente:
por eles habitadas em caráter permanente;
utilizadas para suas atividades produtivas;
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;
necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
O texto prevê que, antes da conclusão do processo demarcatório e do pagamento de eventuais indenizações, não indígenas que ocuparem a área poderão permanecer. Também poderão seguir usufruindo do terreno.
Pelo projeto, benfeitorias realizadas pelos ocupantes até que seja concluído o procedimento demarcatório deverão ser indenizadas.
Há ainda uma possibilidade de indenização pela desocupação da terra. Segundo a proposta, isso ocorrerá quando houver documento que comprove “propriedade ou de posse” anterior.
Para Marcos Rogério, a aprovação da proposta “trará segurança e paz às populações indígenas e não indígenas, especialmente do campo”.
“Não se pode aceitar que, 35 anos após a entrada em vigor da Constituição, ainda haja celeuma sobre a qualificação de determinada terra como indígena, gerando riscos à subsistência e à incolumidade física de famílias inteiras”, disse.