O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o perdão da pena do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). O perdão havia sido concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Silveira foi condenado pela Corte em abril do ano passado, por estímulo a atos antidemocráticos.
O STF já havia formado maioria para derrubar o perdão da pena.
O julgamento foi concluído nesta quarta-feira (10), com os votos dos ministros Luiz Fux e do decano da Corte, ministro Gilmar Mendes. Ambos acompanharam a relatora, fechando o placar em 8 a 2 pela derrubada do perdão.
“Entendo que crime contra o Estado Democrático de Direito é crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado Democrático de Direito é cláusula pétrea”, afirmou Fux.
“Tenho que estão absolutamente ausentes quaisquer razões aptas a justificar o decreto impugnado”, afirmou o decano Gilmar Mendes.
A análise do caso teve início no fim de abril, a partir de ações dos partidos Rede Sustentabilidade, do PDT, do Cidadania e do PSOL. Relatora dos casos, a ministra Rosa Weber votou nesta quarta contra a concessão do perdão, que considerou inconstitucional.
Acompanharam a relatora, além de Fux e Gilmar, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. André Mendonça e Nunes Marques divergiram.
Bolsonaro concedeu a Silveira a chamada graça presidencial, que impede a aplicação da pena de prisão e o pagamento de multa, mas os efeitos secundários da condenação permanecem: a inelegibilidade e a perda do mandato.
Voto da relatora
Rosa Weber votou por invalidar o decreto sob entendimento de que houve desvio de finalidade no caso – ou seja, Bolsonaro teria usado uma atribuição do cargo de presidente, de forma aparentemente regular, para tomar uma medida que não tinha como finalidade o interesse público.
Para Weber, a ação “revela faceta autoritária e descumpridora da Constituição”.
“O presidente da República, utilizando-se da competência a ele atribuída (…), ou seja, agindo aparentemente em conformidade com as regras do jogo constitucional, editou decreto de indulto individual absolutamente desconectado do interesse público”, declarou a ministra.
Votos dos ministros
Primeiro a votar na sequência da relatora, o ministro André Mendonça considerou que a competência conferida na Constituição para a concessão do perdão é do presidente da República e que a análise do Poder Judiciário sobre o tema deve se limitar a questões de legalidade do procedimento, e não aos motivos do presidente.
“Descabe ao Poder Judiciário substituir o juízo da autoridade constitucionalmente capacitada [presidente] para agir”, afirmou.
Mendonça afirmou também que, após a condenação de Silveira, “surgiram vozes dizendo que a pena teria sido excessiva”. E que entendeu que, pelo “contexto daquele momento”, a “concessão da graça também teve um efeito de pacificação, ainda que circunstancial e momentâneo”.
“Entendo que descabe a esta Suprema Corte promover análise mais verticalizada acerca da existência dos apontados vícios de finalidade e abuso de poder.”
O ministro Nunes Marques acompanhou Mendonça. O ministro entendeu que o Poder Judiciário pode analisar se o decreto atendeu a requisitos legais, mas não pode discutir o mérito.
“As alegações de ocorrência de desvio de finalidade, de violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade constituem, na verdade, tentativa de exame do mérito do ato de governo de concessão do indulto, o que se demonstra claramente inadmissível à luz da Constituição Federal de 1988, tendo em vista a observância dos limites impostos pelo texto constitucional”, argumentou.
O ministro Alexandre de Moraes, terceiro a votar, acompanhou o voto da relatora. Assim como Rosa Weber, concluiu que houve desvio de finalidade, já que as justificativas para a medida “não correspondem à realidade”.
“O Supremo Tribunal Federal nunca disse que o indulto não poderia sofrer uma revisão judicial”, afirmou. “Não é possível indulto cuja finalidade seja atacar outro Poder do Estado, não é possível indulto cuja finalidade seja atentar contra a independência do Poder Judiciário”, disse.
“O indulto que pretende atentar e insuflar e incentivar a desobediência às decisões do Poder Judiciário é um indulto atentatório a uma cláusula pétrea”, acrescentou Moraes.
O ministro Edson Fachin afirmou que o perdão concedido foi inconstitucional. Segundo o ministro, não há dúvidas de que o ato de concessão da graça é discricionário do presidente e um ato político, mas existem filtros para avaliar a constitucionalidade desse ato, como os princípios da moralidade e impessoalidade.
“O indulto há de prestar contas as suas finalidades, de ter corpo de coerência e desbordando disso estamos diante de desobediência da Constituição, que leva à inconstitucionalidade e que leva à nulidade. Estamos diante de um ato inconstitucional e, portanto, nulo”, afirmou.
O ministro Luís Roberto Barroso também acompanhou a relatora. “Não podemos confundir liberdade de expressão com incitação ao crime”, disse o ministro sobre a condenação de Silveira.
Barroso considerou que o presidente “de forma inusitada, editou decreto de indulto no dia seguinte à decisão condenatória do Supremo Tribunal Federal, deixando claro a afronta que pretendeu fazer ao tribunal”. Segundo ele, o então presidente “se arvorou na condição de juiz dos juízes”.
O ministro Dias Toffoli também votou por invalidar o perdão, sustentando que crimes que atentam contra o Estado Democrático de Direito não são suscetíveis de graça ou indulto. “Na verdade, aqui, o que está em jogo é o Estado Democrático de Direito”, afirmou.
O voto da ministra Cármen Lúcia consolidou a maioria. “Para mim, indulto não é prêmio ao criminoso, não é tolerância, não é complacência com o delito. Mas é um perdão para reconciliação da ordem jurídica, por situação específica”, disse.