A CPI da Pandemia guarda muitas semelhanças com a primeira comissão parlamentar de inquérito da era moderna da política, a CPI da Última Hora, na década de 1950.
Criada em 1953, a CPI tinha o objetivo de investigar o favorecimento do governo Getúlio Vargas, via Banco do Brasil, ao jornalista Samuel Wainer, criador do jornal “Última Hora”. A publicação revolucionou a imprensa brasileira na década de 50. Samuel era pobre de marré deci, mas montou um jornal milionário.
O blog abre um parênteses: antes da CPI da Última Hora, havia funcionado a CPI do cimento, mas teve pouca repercussão. A CPI da Última Hora é considerada, portanto, a primeira da era moderna por utilizar a TV, o rádio e jornais para prender a atenção do país.
Aos fatos. Ou melhor às semelhanças:
1 – Investigação ampliada:
Lembra a manobra do presidente Bolsonaro para ampliar a investigação para governadores e prefeitos e tumultuar a CPI? Pois bem, essa também foi uma manobra da bancada getulista.
A oposição, leia-se Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna de Imprensa, queria uma CPI só para investigar o “Última Hora”. A bancada que defendia Getúlio propôs uma investigação sobre operações financeiras de todos os jornais com o governo.
Solução: foram criadas duas CPIs, que ficaram sob a presidência do mesmo deputado, Castilho Cabral.
E não é que a manobra governista deu certo? A CPI revelou que quase todas as empresas jornalísticas tinham recebido algum empréstimo do Banco do Brasil, entre eles a Tribuna de Imprensa de Carlos Lacerda, o inimigo número 1 de Wainer e inspirador da CPI. As cifras não se comparavam, mas –a palavra não era modinha naquela época– a narrativa emplacou: todos levaram dinheiro do BB.
“Quando comecei a mostrar o fenômeno Última Hora como um fenômeno de corrupção, Danton Coelho (deputado getulista, ex-ministro e ex-presidente do PTB) se aproximou de mim e ofereceu em empréstimo. Um empréstimo de mil ou dois mil contos, que aceitei e que foi um ponto fraco que eles usaram em toda campanha: “O senhor também recebeu empréstimo do Banco do Brasil”.
O curioso leitor pergunta: “Ah, então a manobra do Bolsonaro vai dar certo?”. O blog, que não é mãe Dinah, reabre os parênteses: comparar a esperteza política de Bolsonaro à de Getúlio é comparar o deserto do Saara à caixinha de areia em que o gato da vizinha faz sua caquinha. No caso, a inteligência política de Getúlio é o deserto, óbvio!
2 – Ministérios para UDN
Quando a CPI começou a incomodar o governo, Getúlio acomodou opositores no governo. A UDN (partido de Lacerda) já tinha o Ministério da Agricultura e ganhou mais dois: Viação e Obras Públicas e Relações Exteriores.
Acabou? Sim, porque o blog tá doido para contar a história do PowerPoint.
3 – Power Point
O polêmico PowerPoint da Lava Jato, que mostrava várias bolinhas com acusações apontando para o ex-presidente Lula, nasceu na CPI da Última Hora.
TV era uma novidade naquela época. A maior emissora, a pioneira Tupi, pertencia a Assis Chateaubriand, adversário de Wainer. Ele abriu as portas para Lacerda atacar Wainer.
Inspirado num programa da TV americana, no qual um padre católico anticomunista recebia perguntas pelo telefone e desenhava as respostas no quadro negro, Lacerda falava sobre a Última Hora utilizando os mesmos recursos.
Uma noite o telefone toca e um telespectador pergunta se aquilo não era uma briga comercial de jornais, que nada interessava à população.
O blog cede novamente a palavra a Lacerda:
“Fui para o quadro negro, tracei assim um sol e uma porção de satélites. Lá embaixo eu fiz um satélite pequenininho e escrevi “Última Hora” . O outro satélite era o Banco do Brasil. “Daqui vou passar para aqui” e apontei para o sol e escrevi: “Getúlio Vargas”.
O relator da CPI da Covid, Renan Calheiros, disse que a CPI da Pandemia não terá PowerPoint. Sei…, diz o blog, cético.
Dicas
Dois livros ajudaram o blog a contar essa história: “Carlos Lacerda, depoimento”, da Nova Fronteira, que tá velhinho aqui na estante, e um que chegou há pouco tempo e já sentou na janela porque é sensacional: “Samuel Wainer, O homem que Estava lá”, de Karla Monteiro, da Companhia das Letras.