Especialistas ouvidos já esperavam uma revisão das metas fiscais do governo, até mais agressivas do que foram antecipadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Nem por isso acham que a mudança é positiva.
Haddad disse que o governo tenta fixar uma “meta factível” para as contas públicas em 2025. Até agora, o ministério havia indicado com uma projeção de superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) para o próximo ano.
“Nós estamos esgotando o tempo para fazer as contas necessárias para fixar uma meta factível à luz do que aconteceu de um ano para cá”, declarou em entrevista a jornalistas na porta do ministério.
A estimativa de superávit de 0,5% do PIB foi apresentada há cerca de um ano e consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2024. Mas a meta que de fato vai vigorar em 2025 terá de ser incluída na LDO de 2025, que o governo envia ao Congresso até o próximo dia 15.
A equipe econômica estuda reduzir a meta fiscal de 2025 de 0,5% para 0,25% do PIB diante da dificuldade de gerar novas receitas sem aumentar a carga tributária no país.
A avaliação do governo é que as fontes de receita estão se esgotando, e algumas delas não são recorrentes. No ano passado, Haddad conseguiu aprovar boa parte de sua agenda de medidas arrecadatórias. São elas:
a tributação de investimentos no exterior (offshores) e de fundos exclusivos;
a retomada de regra que favorece o governo em julgamentos no Conselho Administrativo De Recursos Fiscais (Carf);
a MP das subvenções do ICMS e;
a taxação do mercado de apostas eletrônicas em jogos esportivos.
De fato, nos dois primeiros meses deste ano, a arrecadação federal somou R$ 467,2 bilhões, o que representa um crescimento real (acima da inflação) de 8,8% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados são da Receita Federal.
Já em 2024, contudo, a pasta amargou derrotas. A decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de não prorrogar o trecho de uma medida provisória que reonerava a folha de pagamento de cerca de 3 mil municípios e poderia reforçar o caixa federal em cerca de R$ 10 bilhões.
Além disso, o governo já tinha amargado a perda em relação ao Perse – programa para o setor de eventos – e na desoneração de setores da economia.
A equipe econômica precisaria elevar a arrecadação, por meio de medidas adicionais, em R$ 296 bilhões em 2025 e 2026, para cumprir as metas fiscais existentes.
As dificuldades mantêm os analistas céticos com relação à meta fiscal. O economista Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, mantém a projeção para 2024 de um déficit das contas públicas de -0,79% do PIB.
“Pode melhorar se a dinâmica das receitas continuar a surpreender. Os dados de março indicam que o desempenho da arrecadação total continua vindo bastante bom, como no primeiro bimestre”, afirma.
Salto afirma ainda que é preciso saber a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o limite para contingenciamento de gastos em 2024.
A lei estabelece um limite de cerca de R$ 26 bilhões para o contingenciamento em 2024. Contudo, o arcabouço fiscal aprovado em agosto de 2023 estabelece que o bloqueio pode ser de até 25% das despesas discricionárias. Esse valor superaria R$ 50 bilhões.
Para Salto, o envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) é o momento de recalibrar as metas. E, se é impossível atingir os valores projetados em 2023, é o momento de mudar.
“O governo deveria alterar para zero [em 2025]. Já será um esforço e tanto, e no ano que vem não teremos essa montanha de receitas extras.”
“O essencial é mostrar que há uma trajetória de [resultado] primário alinhada com o alcance da sustentabilidade da dívida em algum horizonte. No caso, o horizonte que a Lei do Novo Arcabouço Fiscal determina é de 10 anos”, diz Salto.
Matheus Pizzani, economista da CM Capital, também concorda que a modificação das metas pode acabar sendo positiva para a política fiscal, assumindo que os novos objetivos propostos para este período sejam realistas.
“Uma nova meta ainda demanda perseverança e atuação contínua por parte da equipe econômica no sentido de buscar um orçamento mais equilibrado. E o mais importante é a estabilização da trajetória da dívida pública brasileira”, diz.
Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, está do lado de quem interpreta que a alteração de meta fiscal é uma sinalização negativa, pois mostra que o arcabouço fiscal já foi descumprido em seus primeiros anos.
“Reflete uma falta de comprometimento com as metas estabelecidas pelo governo para votação. Isso demonstra que a questão fiscal não está sendo abordada de maneira ideal”, afirma o analista.