Aliado ao fim do auxílio emergencial, aumento dos preços pode fazer com que Brasil volte ao Mapa da Fome. Provocada pela alta do dólar e da demanda, inflação dos alimentos deve continuar pelos próximos meses.
No começo da pandemia, Tamires Belineli de Souza, recepcionista de 32 anos, desempregada há um, conseguia comprar 12 litros de leite com a parte que sobrava para isso dos R$ 600 do auxílio emergencial – única fonte de renda da família. Além dela, o leite servia para alimentar a filha de 10 anos e o marido, também sem trabalho, por um mês. Uma opção de carne ou frango era frequente nas refeições.
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Agora, Souza dá conta de comprar apenas cinco litros de leite por mês. Carne virou quase luxo, e é preciso revezar. “Às vezes, deixo de comer alguma coisa para dar para a minha filha”, diz a moradora do Parque Santo Antônio, na Zona Sul da capital paulista, que passou a recorrer a doações para complementar a alimentação.
Para quem gasta tudo ou quase tudo que ganha com comida, não há escapatória diante da inflação dos alimentos: é preciso deixar de comer ou substituir comida nutricionalmente boa por ultraprocessados. Se o auxílio emergencial ajudou a evitar que muita gente caísse na pobreza e até mesmo tirou muitos da situação de vulnerabilidade, a perspectiva do fim do benefício associada à alta dos preços dos alimentos formam uma equação perigosa.
O benefício de R$ 600 reais, que chegou a R$ 1,2 mil para mães solteiras, começou a ser pago em abril para um período inicial de três meses. Em junho, foi alongado por mais dois meses, e no início de setembro, o governo prorrogou a transferência por mais quatro meses, reduzindo a parcela mensal a 300 reais. A última parcela será paga em dezembro.
A inflação dos alimentos no Brasil, na esteira de demanda maior e da forte desvalorização do real frente ao dólar, deve continuar pelos próximos meses, segundo economistas, e tende a agravar o quadro de insegurança alimentar no país, conforme representantes de entidades ligadas a segurança alimentar ouvidos pela DW Brasil.
“Mesmo com o auxílio emergencial, estamos prevendo que o Brasil esteja voltando para o Mapa da Fome”, afirma a antropóloga Maria Emilia Pacheco, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e membro do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
A fala de Pacheco ecoa a avaliação do economista Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Isso [alta dos alimentos] é muito preocupante, porque a grande maioria desses 65 milhões de brasileiros que receberam o auxílio utilizam o recurso para comprar comida, o próprio IBGE mostra. Com o preço dos alimentos aumentando, eles têm que comprar menos. E têm um problema nutricional também.”